Conheça um pouco da história de Raimundo Araújo França, o primeiro grande atacante do futebol cearense. Detentor de recordes que duram até hoje, ele encantou as torcidas de Fortaleza e Ceará entre as décadas de 30 e 50
França com a camisa tricolor em 1940, ano em que alcançou a artilharia do Estadual pela primeira vez (Foto: Álbum de família/Reprodução Evilázio Bezerra)
Muito antes de Rinaldo, Clodoaldo, ou mesmo Gildo e Croinha, um homem foi o responsável por despertar nos corações dos cearenses o gosto pelo gol. Relegado hoje aos arquivos de pesquisadores e à memória de torcedores saudosistas, o nome de Raimundo Araújo França, o França, centroavante que atuou entre os anos 30 e 50, encabeça a lista dos grandes goleadores do futebol local. Alto, porém versátil; atlético, mas boêmio; levou a carreira em meio a dualidades, tanto que foi ídolo, artilheiro e campeão por Ceará e Fortaleza.
Só em um ponto o hoje enigmático França manteve trajetória retilínea nos mais de 20 anos nos gramados: o faro de gol. O atacante foi goleador por onde passou. Até hoje, 50 anos depois de ter abandonado os gramados, e quatro após sua morte, ostenta a marca de jogador mais vezes artilheiro em Estaduais. Foram cinco ocasiões, três pelo Leão (40, 46 e 47) e duas pelo Vovô (41 e 42).
Existem grandes chances de França ser o atleta que mais anotou gols em Estaduais. Os registros são incompletos e nem a Federação Cearense de Futebol (FCF) possui as fichas de todas as partidas. Contudo, apenas nos anos em que foi artilheiro, França marcou 67 vezes. A média nestas cinco edições é de impressionante 1,5 gol por partida - 67 em 43 jogos, conforme levantamento do pesquisador Nirez de Azevedo, no livro "História do Campeonato Cearense de Futebol", e constatação nas fichas dos jogos no arquivo de O POVO.
Segundo o jornalista Blanchard Girão, recentemente falecido, França iniciou no futebol aos 18 anos, em 1936, atuando pelo Tramways. Quatro anos depois, ingressou no Fortaleza, seu clube de coração e pelo qual alcançou a artilharia do Estadual daquele ano. Na temporada seguinte, transferiu-se com meio time para o Ceará. O pesquisador Airton Monte conta que a mudança veio devido a problemas do técnico do Leão, Valdemar Gavião, com a diretoria. No Vovô, França alcançou o bicampeonato em 41 e 42, com direito a mais duas artilharias.
No Rio de Janeiro
As boas atuações levaram o artilheiro para o Fluminense. Porém, na então Capital Federal, França não conseguiu repetir o bom retrospecto. Airton Monte acredita que a vida extra-campo pode ter prejudicado o atacante. "O França tinha tudo para ser um jogador reconhecido. Só que ele era muito farrista", avalia. Em seguida França atuou pelo Rio Negro (AM), onde começou os estudos em odontologia. A conclusão do curso veio no retorno ao futebol local, em 1946. De volta ao Tricolor, manteve a fama de goleador. Foi o artilheiro do ano e na temporada seguinte, sagrando-se bicampeão.
Pelo clube do Pici ainda conquistou os títulos de 49 e 54. França permaneceu no Leão até 57, atuando como jogador e treinador. Após abandonar a carreira prosseguiu no futebol como técnico mas não deixou de exercer a odontologia. O goleador faleceu em 2003, aos 85 anos. Ele foi casado com a também dentista Ivone e, após a morte da esposa, viveu até sua morte com a dona de casa Tereza. França tinha um filho de criação de nome Adriano e morava na Gentilândia. (colaborou o ex-jogador Luís de Arruda Veras)
E-MAIS
Conheça detalhes da carreira de França no livro "História do Campeonato Cearense", de Nirez de Azevedo. Fortaleza: Equatorial Produções, 2002.
NÚMEROS
5
vezes França foi artilheiro do Campeonato Cearense. Três pelo Fortaleza (1940, 46 e 47) e duas pelo Ceará (41 e 42).
1,5
gol por partida é o aproveitamento de França nos anos em que foi goleador do Estadual. São 67 gols em 43 jogos.
PERFIL
Nome: Raimundo Araújo França
Posição: centroavante
Nascimento: 16.1.1918, em Maracanaú
Falecimento: 5.1.2003, em Fortaleza
Times que defendeu: Tramways, Ginásio São João, Fortaleza, Ceará, Fluminense e Rio Negro (AM) e Seleção Cearense
Títulos: Seis vezes campeão cearense (41 e 42, pelo Ceará, e 46, 47, 49 e 54, pelo Fortaleza).
Artilharias: cinco vezes artilheiro cearense (40, 46 e 47, por Fortaleza, e 41 e 42, pelo Ceará).
"O Estilista"
Durante o auge da carreira, França ficou conhecido pelo apelido de "Estilista", devido a sua elegância em campo. "Era pela maneira de ele passar, de driblar. Apesar de grandalhão, o França era muito elegante", diz o pesquisador Airton Monte. Como volante do Gentilândia, Airton teve a missão de tentar marcar França na década de 50. "Disputar corpo a corpo com ele não tinha futuro. Eu tentava marcar a bola. Ele era pesadão, mas era um atleta", observa.
O jornalista Sílvio Carlos recorda que as iniciais do nome do jogador (RAF) eram constantemente utilizadas pelos jornais da época em alusão às ações da Força Aérea Britânica (Royal Air Force-RAF). "Os jornais brincavam muito com isso por causa da Segunda Guerra (Mundial). Sempre que ele marcava em algum jogo colocavam na manchete 'RAF bombardeia adversários'", comenta Sílvio Carlos, que foi presidente do Riachuelo quando França treinou a equipe, na década de 60.
E-mais
- França alcançou o feito de ser campeão mesmo depois de abandonar o futebol. Em 1954, já havia pendurado as chuteiras mas, como o Tricolor passava por problemas de ataque, voltou para reforçar o time. Marcou gols e ajudou o Leão a levantar o bicampeonato.
- Para o jornalista Alan Neto, colunista do O POVO, a saída de meio time do Fortaleza para o Ceará, em 1941, evidência a então pequena rivalidade entre os clubes. "O grande rival do Ceará era o Maguary, não o Fortaleza. Depois, a torcida do Maguary migrou para o Fortaleza", aponta.
- Mozarzinho acredita que França teria condições de atuar no futebol atual. "O futebol naquela época era muito técnico. Hoje em dia estão chutando bola com jogador e tudo. Ele jogaria futebol porque sabia, então jogaria em qualquer época. Só não teria tanto espaço".
Família de goleadores
Uma das formações do Tricolor bicampeão em 1954 - França no ataque (Foto: A história do Campeonato Cearense de Futebol (Nirez de Azevedo)/Reprodução Patrícia Araújo)
A família de França contabiliza incríveis nove artilharias de Campeonatos Cearenses. Além das cinco edições em que o jogador liderou a tábua de goleadores, mais dois integrantes do "clã" também inscreveram seus nomes entre os maiores atacantes do nosso futebol: seus sobrinhos Moésio, falecido em 1993; e Mozart Gomes, o Mozarzinho.
Moésio foi artilheiro três anos seguidos pelo Fortaleza, entre 1952 e 1954. Neste ano, chegou a formar linha de ataque com o tio. Mozarzinho alcançou a artilharia em 1964, pelo América. "Acho que é um dom da família. Não teve outra família que se destacou tanto no futebol", observa Mozarzinho, hoje com 68 anos.
Ele conta que o estilo de jogo dos sobrinhos era bem diferente do praticado por França. "O tio França era muito clássico, muito técnico. Nós (Mozarzinho e Moésio) jogávamos mais na base da raça, éramos mais ágeis", avalia. Mozarzinho diz que França sempre deu conselhos aos sobrinhos. "Ele foi um grande incentivador. Ele e o nosso pai (coronel Mozart Gomes), que era um torcedor fanático do Fortaleza".
Fonte: Jornal O Povo
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