Quem é melhor, o alvinegro Gildo ou o tricolor Mozarzinho? Entenda o papel destes dois ídolos de Ceará e Fortaleza na consolidação do Clássico-Rei como o principal encontro do futebol cearense
"Em um belo dia a deusa dos ventos beija o pé do homem, o maltratado, desprezado pé, e desse beijo nasce o ídolo do futebol"
(Eduardo Galeano, escritor uruguaio)
A aura que leva um simples encontro entre duas equipes a ganhar o status de "clássico" vai além do mero resultados nas quatro linhas, da rivalidade entre as torcidas ou mesmo do histórico de embates dos adversários. Passa, sobretudo, pelo papel do ídolo. E na construção do nosso Clássico-Rei, o encontro entre Ceará e Fortaleza, hoje consolidado como um dos principais jogos do País, ninguém teve participação tão definitiva quanto Gildo e Mozarzinho, atacantes do Vovô e do Leão, respectivamente, na década de 60.
A disputa sobre qual dos dois era o melhor jogador cearense mobilizou as atenções nos embates entre os rivais na década de 60, período considerado "romântico" do futebol brasileiro, então bicampeão mundial. Os acalorados debates entre torcedores começavam ainda na semana do partida e só cessavam após o jogo, para recomeçar nas vésperas do próximo clássico.
"Quando o Mozart (Mozarzinho) pegava na bola a torcida (do Fortaleza) se levantava. E quando eu pegava na bola era a mesma coisa. E quando um marcava um gol! Ave, Maria... O mundo vinha abaixo", conta Gildo, entre risos. Foi assim entre os anos de 1962 e 1969, período em que Mozarzinho e Gildo se enfrentaram nos jogos disputados no estádio Presidente Vargas superlotado - ainda não existia Castelão. A disputa à parte foi fundamental para consolidar o Clássico-Rei como o principal do Estado. "Já cheguei a jogar clássico com 30 mil pessoas no PV. Nunca joguei com estádio mais ou menos. Era sempre casa-cheia", revela Mozarzinho.
E para o ídolo, o dia de clássico também é uma experiência diferente. "Para mim era uma glória jogar contra o Fortaleza. Esse é o jogo para o jogador", avalia Gildo, que defendeu o Ceará entre 1960 e 65 e de 1968 a 71, levando quatro estaduais e duas artilharias. "A gente dava muita entrevista para o rádio e os jornais. Foi uma época em que o futebol cearense se desenvolveu muito", aponta Mozart, meia-atacante do Leão em 1962, 63, 65 e 69, bicampeão estadual e artilheiro em 1964, pelo América.
Amigos desde os tempos de atletas, os dois preferem a diplomacia na hora de responder a pergunta que até hoje mobiliza debates entres tricolores e alvinegros. Afinal, quem foi melhor, Mozart ou Gildo? "Deixa que o pessoal (torcedores) dizer", desvia o ainda hoje astuto Mozarzinho.
PERFIL DO GILDO
Nome: Gildo Fernandes de Oliveira
Nascimento: 12.1.1940
Naturalidade: Recife (PE)
Posição: centroavante
Times: Santa Cruz, Vasco, Ceará, América-SP e Calouros do Ar
Títulos: Campeonato Cearense (1961, 62, 63 e 71, pelo Ceará); Norte-Nordeste de Seleções (1962, pela seleção cearense); Norte-Nordeste de Clubes (1969, pelo Ceará)
Artilharias: Campeonato Cearense (1961 - 15 gols; e 1963 - 16 gols).
PERFIL DO MOZART
Nome: Mozart Araújo Gomes (Mozarzinho)
Nascimento: 5.1.1939
Naturalidade: Fortaleza-CE
Posição: meia-atacante
Times: Fortaleza, Remo, Náutico, Fluminense, Comercial-SP, XV de Jaú-SP, América-CE, Ceará e Ferroviário
Títulos: Campeonato Cearense (1965 e 1969, pelo Fortaleza); Norte-Nordeste de Seleções (1962, pela seleção cearense)
Artilharia: Campeonato Cearense (1964 - 20 gols)
Vantagem de Gildo
Durante os períodos em que defenderam Fortaleza e Ceará, respectivamente, Mozarzinho e Gildo participaram de 13 Clássicos-Rei por competições oficiais. Estatisticamente, a vantagem no embate particular favoreceu o alvinegro Gildo. O Vovô venceu seis das partidas, com cinco empates e duas vitórias dos leoninos. No quesito gols, Gildo anotou sete vezes contra o rival, Mozarzinho marcou um.
A explicação para a diferença no número de gols está nas características de cada um dos atletas. "Eu achava o Gildo mais fazedor de gols, mas era eu quem trabalhava a bola para ele, para o Croinha (ex-atacante tricolor, já falecido)", diz Mozarzinho. Gildo recorda que os confrontos diante do rápido Mozart era sempre complicados. "Eu dizia toda hora para a minha defesa, cuidado com o homem que ele é perigoso", afirma o artilheiro.
Para ele, o Clássico-Rei que mais marcou sua carreira foi o que deu o título estadual de 71 ao Ceará, empate por 2 a 2. Já Mozarzinho escolhe a decisão de 1969 como seu jogo inesquecível. "Foi meu último clássico contra o Ceará. Ganhamos por 1 a 0, gol do Joãozinho, e fomos campões. Depois eu deixei o futebol".
Emais
- Em 1962, o confronto entre Ceará e Fortaleza ganhou manhete de O POVO com o nome de "Choque-Rei". Como o embate também era chamado simplesmente de "Clássico", com o tempo houve a junção para o conhecido Clássico-Rei.
- Em 9 de junho de 1962, o Ceará levou o título do primeiro turno do Estadual ao bater o Tricolor por 3 a 2. Detalhe: no mesmo dia, o Brasil vencia a Inglaterra por 3 a 1, pela Copa do Mundo do Chile. Hoje em dia, nenhum time se aventura a disputar jogos oficiais durante o Mundial.
- O jornalista Alan Neto não fica no muro e aponta quem, na opinião dele, foi melhor na disputa entre Mozarzinho e Gildo. "O Mozarzinho foi o maior craque que eu vi na minha vida. O Gildo era craque é goleador, que é diferente. Craque mesmo foi o Mozart", avalia Alan Neto.
- Mozarzinho atuou por três meses pelo Ceará, em 1966. Na época, Gildo defendia o América-SP. Mozart deixou logo o Alvinegro e voltou para o América, seu clube em 1964. Ele prefere não falar detalhes da passagem por Porangabuçu. "Rapaz, não gostaria de falar não", disse o craque.
- Os dois ex-jogadores condenam a violência que cerca hoje o Clássico-Rei, sobretudo a ação das torcidas organizadas. "Tinha sempre a rivalidade, mas não era como hoje. O mais importante era que as torcidas se uniam, acompanhavam o jogo juntas", diz Gildo. "Quem ganhava ficava gozando a torcida adversária e só", resume Mozart.
- Durante a entrevista, Gildo se emocionou ao relembrar os tempos de jogador. "O torcedor é fanático. Quando eu estava em campo e a torcida me aplaudia era muito bom. Isso me dá uma saudade tremenda".
Fonte: Jornal O Povo
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